Não bastasse o estresse provocado pelo risco constante de demissão, os trabalhadores brasileiros têm lidado com o acúmulo de funções que virou regra em muitas empresas. A medida é inevitável em companhias que precisam cortar gastos para sobreviver, mas especialistas alertam que há limites a serem respeitados. Quando não dosado, o aumento de tarefas compromete os resultados e pode levar os profissionais ao adoecimento.
Uma pesquisa com 2.690 trabalhadores divulgada recentemente pela empresa de recrutamento Vagas.com mostrou que, para os entrevistados, metade dos colegas estão com medo de perder o emprego e 56% tiveram que assumir funções e atividades de outras pessoas.
Para Rafael Urbano as pessoas que assumiam postos mais altos na hierarquia estão sendo desligadas e, com isso, aqueles que ficam acabam acumulando funções – diz o coordenador da pesquisa.
Tal realidade faz soar alguns alertas. De acordo com uma pesquisa da International Stress Management Association no Brasil, o número de trabalhadores com algum tipo de fobia ou pânico subiu de 8% para 13%, entre 2013 e 2015. A associação também identificou, num estudo com mil pessoas feito no ano passado, que 71% delas tinham no trabalho a sua maior fonte de estresse.
Para ele, após apurados os motivos, descobrimos que o excesso de tarefas era o maior culpado – conta a presidente da associação Ana Maria Rossi. – Muitas vezes, as pessoas sabem que já ultrapassaram seu limite. Mas o receio de serem demitidas ou deixar a empresa e não conseguir outra colocação faz com que se esforcem para tolerar. Uma das consequências disso é o adoecimento, com quadros de depressão, ansiedade, ataque de pânico e fobias.
Segundo Ana Maria, é comum gestores justificarem a sobrecarga com a falta de alternativa. Mas como ela pondera, esse pensamento pode ser “um tiro no pé”:
– Puxar os funcionários para além dos seus limites nunca será uma boa opção. A empresa perde em produtividade e ainda corre o risco de precisar afastar aquele empregado.
GUARDIÃ DO CLIMA
Em momentos como este, a equipe de recursos humanos precisa assumir com todo afinco o papel de guardiã do clima organizacional. O caminho, segundo a presidente da Associação Brasileira de RH, Elaine Saad, é mostrar aos gestores como cuidar do bem-estar dos funcionários.
– É preciso instruir os chefes para que consigam entender os limites de cada funcionário. Se o empregado começa a dar sinais de estresse, mostrando-se inquieto ou nervoso, é hora de rever a distribuição das tarefas – aconselha ela.
Como acrescenta Rafael Urbano, as empresas também precisam ser transparentes e pôr as cartas na mesa sobre a situação.
– Isso inclui deixar claro como as tarefas vão ser distribuídas e até quando esse acúmulo de funções vai se dar. Esses cuidados fortalecem o elo entre a empresa e o empregado, que pode se empenhar em dar o melhor de si- afirma Urbano.
Aos trabalhadores também cabem alguns cuidados. De acordo com o gerente de divisão da empresa de recrutamento Robert Half, Danylo Hayakawa, se há dois anos a maior parte dos demandas de contratação era para atender às expansões dos negócios, atualmente cerca de 80% dos recrutamentos são para postos que acumulam duas funções. Como resultado dessa busca, profissionais com boa capacidade de resiliência ganharam ainda mais valor.
– Os trabalhadores precisam buscar uma qualificação cada vez maior, para que não tenham tendência a seguir apenas uma linha de atuação. É necessário ser uma espécie de profissional curinga – resume Hayakawa.
E isso está longe de ser o suficiente para quem deseja segurar uma vaga. Na opinião de Hayakawa, as palavras-chave para o sucesso num cenário como este são planejamento e prioridade.
– As pessoas têm que diferenciar o que é urgente e montar um plano para fugir daquela sensação de que precisa terminar tudo num só dia. Também é importante saber dizer “não”, para evitar se transformar naquele “profissional esponja”, que absorve todas as demandas, mas não entrega nada – enumera.
Como recomenda Hayakawa, o trabalhador também deve ser transparente, mostrando aos chefes o que está produzindo e como está executando as tarefas, deixando claro o tempo gasto.
TUDO ANOTADO
O gerente de projetos da Radix Engenharia e Software, João Zaiden, conseguiu lidar bem com a situação. Com o mercado mais apertado, ele precisou assumir algumas tarefas na área comercial da empresa, setor do qual ele era totalmente desconectado antes da crise.
– No começo foi difícil, porque tive que aprender a controlar meu tempo dentro dessa nova lógica, já que não podemos exceder os horários. Precisei me tornar ainda mais focado e eficiente dentro das oito horas de trabalho – conta ele.
Para se adaptar à nova rotina, Zaiden usou um recurso simples: montou uma espécie de diário, onde anotava todas as suas ações. A partir deste material, conseguiu visualizar como utilizava seu tempo e se organizar melhor.
– Achava que tinha noção disso, mas descobri que não era bem assim. Com esse diário, comecei observar o que valia a pena ou não – conta ele, que também usa programas de computador para se organizar melhor. – Com todos esses cuidados, o meu próprio gestor já me poupa de algumas atividades, quando pode.
Para quem alcança este equilíbrio, Rafael Urbano afirma que o acúmulo de funções tem até o poder de criar oportunidades:
– Pode ser um caminho para o reconhecimento, além de uma maneira para adquirir maior expertise. Futuramente, isso pode ser lembrado pelos gestores.
Fonte: O Globo, por Eduardo Vanini, 29.08.2016