Quase três meses depois de entrar em vigor, a reforma trabalhista vem sendo implantada de maneira menos turbulenta do que era esperado. Mas ainda há uma série de dúvidas sobre como a Justiça lidará com pontos polêmicos do texto, à medida que as empresas passem a colocá-lo em prática.
A análise de economistas do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV) ainda se divide entre uma visão mais e menos otimista. Embora concordem que os impactos da reforma tendam a ser benignos, há quem acredite que os efeitos já possam começar a se materializar, mas os que ponderam sobre “se e quando” as novas regras vão, de fato, pegar.
“Há um número muito menor de processos chegando [à Justiça], mas ainda não está claro se é porque há menos litigância ou porque, com a reforma, o processo trabalhista precisa ser mais detalhado”, diz Fernando de Holanda Barbosa Filho. A nova legislação exige, por exemplo, que uma ação judicial por horas extras de trabalho detalhe “quanto a mais foi trabalhado e qual a indenização proposta”. “Agora é mais difícil começar um processo. Antes você abria um de qualquer jeito e tocava conforme ele fosse andando”, afirma.
Mesmo com o pouco tempo desde a implantação da lei, Barbosa Filho já enxerga uma redução das incertezas ligadas à Justiça trabalhista. Horas de viagem e em litígio, por exemplo, não podem mais ser consideradas como horas extras na rescisão em comum acordo de um contrato.
Ao mesmo tempo, nesse tipo de rescisão, foram mantidos os direitos do funcionário, como aqueles ligados ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). “A cunha fiscal do trabalhador continua a mesma. O que está sendo reduzido é o custo extra com a litigância”, afirma.
São as horas extras o motivo de mais de 50% das ações trabalhistas, de forma que elas têm potencial para “desafogar a Justiça”. A reforma permitiu que, em uma negociação coletiva, trabalhadores e empresas decidam quem terá direito ao pagamento de horas extras. No entanto, Barbosa Filho faz a ressalva de que ainda não é possível saber como será essa negociação em empresas pequenas ou médias, nas quais o empregado tem menor poder de barganha.
Desde que a reforma entrou em vigor, foram protocoladas 16 ações diretas de inconstitucionalidade (Adins). Dessas, 10 dizem respeito à contribuição sindical, três a trabalho intermitente, umaa pagamento de custas, uma a correção de depósitos e uma a limite a indenizações. “Esperava Adin para tudo no começo, mas elas estão bastante concentradas em contribuição sindical. Acho que a chance de a lei funcionar como planejado é maior do que era antes”, diz.
A redução de incertezas tem impactos positivos no número de contratações futuras, segundo Barbosa Filho. “Se eu acho que o meu trabalhador custará dez e ele acaba custando 15, tomarei muito mais cuidado na hora de contratar”, afirma. “Mas só vamos ter mesmo essa prova quando a Justiça determinar as jurisprudências.”
Bruno Ottoni, do Ibre-FGV, é menos otimista. As alterações propostas pela reforma podem realmente gerar mais empregos e diminuir a litigiosidade, mas a implantação dessas alterações não parece tão clara. “Tenho dúvidas a respeito de se e quando as mudanças da lei serão transferidas para a prática pela Justiça”, afirma.
Para Ottoni, um dos pontos que devem ser objeto de maior contestação jurídica é o buraco na arrecadação previdenciária que o trabalho intermitente pode causar. O exemplo é uma pessoa contratada com jornada semanal de apenas alguns dias por semana, o que diminuiria a contribuição previdenciária paga por ela. O problema é que a lei estabelece que o piso da aposentadoria é um salário mínimo. Portanto, para ter direito ao piso, o funcionário precisaria pagar uma alíquota maior do que efetivamente faz. “Ele precisa contribuir em cima do que não ganhou”, diz. Em um “exemplo exagerado”, o funcionário pode ter que pagar para trabalhar. “Não à toa já há três Adins [protocoladas] que tratam de trabalho intermitente”, diz. Isso, avalia, pode inviabilizar criação expressiva de postos de trabalho, uma das metas da reforma.
Outra questão possivelmente polêmica é a obrigação de que o perdedor de uma disputa judicial pague os custos do processo, “o que em tese inibiria ações trabalhistas e reduziria a litigiosidade”, diz Ottoni. Mas esse ponto já gerou uma Adin protocolada pelo ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot. O argumento é o de que, em tese, está sendo retirado do perdedor da ação o direito de ter acesso gratuito à Justiça.
Há ainda outros pontos citados por Ottoni, como a prevalência do negociado sobre o legislado, o que em linhas gerais “é algo muito incerto”. Mas, ainda que todas essas questões sejam pacificadas, existem dúvidas a respeito de quanto tempo isso demorará. Um exemplo é o adiamento em 90 dias da revisão de 34 súmulas e orientações do Tribunal Superior do Trabalho a respeito da reforma, realizado nesta semana. “Mas não para por aí. Depois vai para o Supremo Tribunal Federal, e sabe-se lá quando eles vão conseguir julgar tudo isso”, afirma.
Fonte: Valor Econômico, por Estevão Taiar e Ana Conceição, 08.02.2018